A Análise da Reuters:
Brasil usa crise mundial para ganhar espaço político
Por Jeferson Ribeiro e Tiago Pariz
BRASÍLIA (Reuters) - A crise europeia está abrindo uma janela de oportunidade diplomática para o Brasil e o governo sabe disso.
Diante dos apelos que vêm da zona do euro para que os emergentes
auxiliem na recuperação da região, a decisão dentro do Palácio do
Planalto é de que, sim, o país pode ajudar, mas quer contrapartidas que o
fortaleça diante do cenário político-econômico global.
O alvo vai desde ampliar poderes dentro de organismos
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), até ganhar
status maior dentro do cenário externo.
Fontes do governo e especialistas ouvidos pela Reuters concordam
que o momento é bom para fortalecer o país lá fora, e ressaltam que o
caminho econômico é o mais adequado.
"A atitude brasileira é legítima e justificada. As nações e as
economias se fortalecem neste tipo de situação (de crise
internacional)... Acho legítimo que o país busque ocupar o espaço que
lhe cabe", afirmou uma importante fonte da equipe econômica à Reuters.
A intenção já tem ficado clara em discursos de importantes
autoridades brasileiras. A própria presidente Dilma Rousseff afirmou que
uma eventual ajuda à Europa poderia ocorrer via FMI, mas desde que
respeitadas as reformas aprovadas em 2010, que elevaram a fatia dos
emergentes no Fundo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, também faz
coro.
Na próxima semana, Dilma e Mantega vão participar da reunião do
G20 --grupo com as vinte mais importantes economias do mundo--, onde vai
ser discutida a situação global.
Em um encontro prévio, nesta semana, autoridades europeias
chegaram a um acordo sobre medidas para enfrentar a crise de dívida
soberana no continente e solicitaram ajuda dos emergentes.
Um assessor próximo à Dilma argumenta que o G20 já representa melhor o
desenho da nova geopolítica mundial, mas isso ainda não se transferiu
para estruturas formais como a Organização das Nações Unidas (ONU), o
FMI, o Banco Mundial e outros organismos. Isso poderia acontecer agora.
MEDIDAS NÃO RECESSIVAS
Na avaliação do governo brasileiro, o receituário de demissões em
massa de funcionários públicos, adotado nas economias com maiores
dificuldades na Europa, não soluciona o problema. Esse deve ser o tom do
discurso de Dilma na reunião do G20 e nas conversas bilaterais que terá
antes da cúpula.
Em Bruxelas, no início de outubro, Dilma já havia se posicionado
contra "ajustes fiscais recessivos" para enfrentar as turbulências.
Especialistas também concordam que o Brasil tem de aproveitar o momento para fortalecer sua posição na cena externa.
"É um momento propício para uma guinada na história, já que os
países emergentes estão saindo em socorro da Europa", disse o embaixador
Roberto Abdenur, que ocupou o comando da diplomacia nos Estados Unidos e
na China.
O professor Antonio Jorge Ramalho, do Departamento de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), ressalta que o atual
governo tem adotado uma política externa mais discreta, com uma atuação
mais de bastidor do que a vista na administração do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Nem por isso a estratégia é menos eficiente.
Para ele, a crise tem dado ao país oportunidade de ganhar terreno
também na área de cooperação internacional. Com os países ricos
sofrendo restrições orçamentárias, o Brasil tem aumentado presença em
lugares como África e Haiti por meio de acordos de cooperação, muitas
vezes em articulação com outros emergentes.
"O governo está conseguindo ocupar espaços", afirmou o professor.
Para diplomatas de representações estrangeiras, nas questões
políticas o Brasil ainda tem posição frágil e até agora não conseguiu
estar à frente das discussões. No entanto, o pedido dos líderes europeus
mostra que o país está em outro patamar nas questões econômicas da
arena internacional.
"Têm algumas coisas que o Brasil não faz e deveria fazer. Por
exemplo, tomar iniciativa de ajudar países não só com dinheiro, mas
remédio, alimento --e não esperar uma coordenação internacional", disse
um dos diplomatas, sob condição de anonimato.
Segundo uma fonte do Itamaraty, o Brasil quer ter papel de
protagonista, participando de detalhes das discussões, e não ficar
escanteado. "Não queremos ser chamados para assinar o acordo e posar
para a foto", disse.
(Colaboraram Patrícia Duarte, em São Paulo, e Isabel Versiani, em Brasília)
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